quinta-feira, 19 de junho de 2008

Revolução Sexual

"No meu tempo (ali pela Renascença) namorar era como uma lenta conquista de territórios hostis. Avançávamos no desconhecido como desbravadores do Novo Mundo. Centímetro a centímetro, mentira a mentira. Em nenhuma outra atividade humana, salvo, talvez, a diplomacia, se mentia tanto como num namoro. E o objetivo era o mesmo da diplomacia, conseguir com palavras o que não se conseguia com a força. Negociava-se cada palmo.

- Pode, mas só até aqui.

- Está bem.

- Jura?

- Juro.

- Você passou! Você mentiu!

- Me distraí.

Na verdade, não mentíamos para vocês, mentíamos por vocês. Dávamos a vocês todos os álibis. O que quer que acontecesse, era por nossa insistência, não porque vocês também queriam. Calhorda era quem dizia, abjetamente, a verdade, e não fazia o que jurava que não ia fazer, e vocês queriam que fizesse. Cavalheiros eram os que diziam que só queriam ver, não iam tocar, e tocavam.

Hoje, pelo que me contam, não há mais este cerimonial. Desgraçadamente, as coisas começaram a mudar justamente quando eu entrei para uma ordem religiosa, a dos monógamos. A revolução sexual, que um dia ainda vai ser comemorada como a Revolução Francesa, com a invenção da pílula correspondendo à queda da Bastilha e o fim do sutiã ao fim da monarquia absoluta - e o termo sans culote, claro, adquirindo novos significados - desobrigou o homem de mentir para proteger a reputação da mulher. Aliás, ouvi dizer que agora a mentira mais usada pelo homem durante um namoro é "Hoje não, querida, estou com dor de cabeça".

Mas só quem viveu antes da revolução conhece as delícias da repressão. Esta geração jamais conhecerá a doce aflição de tentar desengatar um sutiã com dedos trêmulos, e finalmente conseguir quando já se começava a pensar num maçarico, só para ter que engatá-lo de novo às pressas porque a mãe dela vinha vindo.

Acho que foi isso que nos tornou mais fortes."

Luiz Fernando Verissimo.


(E o PIOR de tudo, é que essa situação dificilmente será revertida.)

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